quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

HISTORIAS CONTEMPORÂNEAS DA ÁFRICA ORIENTAL-MOÇAMBIQUE- 1972-1973


Quarenta e dois anos passaram! Como o tempo se escapa pelas entrelinhas da vida! Até parece que foi ontem,talvez, ou um pouco mais cedo? Não tenho a noção dessa distância porque na minha memória está num cantinho bem arrumado e nela partirá comigo quando a esta vida deixar de pertencer.

ANO NOVO EM LOURENÇO MARQUES

( 1972-1973 )


Uma passagem de ano diferente mas cheia de acontecimentos a não esquecer!
Das muitas quadras festivas que por razões óbvias passei longe do nosso Castelo Branco, em Lisboa e posteriormente em Moçambique recordo com saudade uma passagem de ano em Lourenço Marques, actual Maputo.
Um gesto vindo de um grupo de Jovens desconhecidos com o perfeito “á – vontade” de quem há muito se conhece, só podem ser definidas como gente de nobres virtudes, de partilha e compreensão.
Aconteceu nas minhas primeiras férias passadas em Lourenço Marques, actual Maputo no ano de 1972 e que por sinal deu para ali passar o Ano.
Tinha ali chegado dias antes do Ano Novo e em quase todo lado se preparavam as festas sobretudo nos clubes desportivos e outras organizações. Gente por todo lado efectuava as compras necessárias para uma noite bem passada. Aqui e ali combinava-se os bailaricos ou outros eventos que proporcionassem uma noite bem passada e alguns optavam por uma “soiré” num cinema qualquer.
Camaradas da FAP- Tete tinham-me dado umas dicas sobre hábitos e costumes nesta cidade mas que no fundo um pouco como nas restantes cidades de Moçambique e quiçá de África.
Tradicionalmente na rua, no entanto algum tempo antes muita gente dispersa e vai juntar-se hás suas famílias deixando temporariamente as ruas e Avenidas desertas. Os que ficam, chegada a hora trocam abraços comemorando a chegada do Novo Ano.
Estar em plena baixa na Avenida marginal vale pelo principio e fim da noite bem agitada e como alguém disse, ao ar livre,”Dança-se, Bebe-se e ainda se contemplam o mar e as estrelas”.
Os meus familiares também tinham o seu programa agendado. A instituição onde trabalhava a minha tia organizava todos os anos a preceito a passagem de ano limitada aos seus trabalhadores e família mais próxima. O convívio com a Administração, colegas e amigos era pedra de toque, para o refinar das energias necessárias para um ano novo que por certo se desejava cheio de muitos sucessos pessoais, comerciais etc.
Até aqui nada de anormal se passara pois em pouco era diferente daquilo que em Portugal continental e Europa fora se fazia não fosse o calor que se fazia sentir bem oposto ao frio gélido da minha terra Natal e o mais moderado em Lisboa.
Ao fim da tarde saí de casa! Caminhei a pé. Sem qualquer pressa entrei na Avenida Paiva Manso, uma das lindas avenidas desta cidade geometricamente desenhada.
Um pouco á frente do lado esquerdo uma Igreja onde já no dia anterior tinha entrado. Um amontoado de gente de todas as raças vestidos a preceito fazia supor tratar-se de uma celebração eucarística. Nos comércios locais faziam-se as últimas compras pois como me tinham dito, por tradição um número considerável de cidadãos residentes nos bairros fazem habitualmente a festa nas suas casas.
Entrei na “Colmeia”,uma Pastelaria enorme e de requinte Europeu. Com fabrico próprio e atendimento personalizado fazia com que os clientes fizessem deste local um centro de convívio no espaço entre o bom café e uma Laurentina, esta a minha cerveja preferida e que por acaso bebi antes de apanhar o autocarro para a baixa da cidade.
Desci na Praça Mac Mahon, última paragem, fim de linha do circuito que a este cabia. Meti conversa com o motorista um senhor mulato, simpático e bem falante e não foi preciso muito tempo para este perceber que eu não era destas paragens. A sua curiosidade e pelas perguntas que ao longo da curta viagem lhe fui fazendo levou-o a perguntar-me.
O senhor é militar, não? Realmente sou, mas estou bem longe daqui, em Tete. Então não conhece a cidade! Claro que não, respondi.
Tenho um pequeno mapa que um colega natural da Matola me emprestou, sempre é uma ajuda. A Matola é aqui perto e tenho família naquela zona disse ele.
Em poucos minutos apercebi-me que tinha acabado de ganhar um amigo para beber um copo! Voçê bebe uma cervejita comigo? Bebo mas tem de ser rápido, tenho de sair dentro de pouco tempo mas se demorar uns minutos mais não faz mal os clientes esperam.
Onde vamos? Ali ao Scala na esquina da avenida, é além, vê? Vamos lá então!
Na brincadeira pedi dois copos de três. O Barman olhou de soslaio para mim, fez uma cara esquisita e perguntou, o que é isso senhor? Esqueça, são duas Laurentinas médias se faz favor.
Enquanto bebíamos, o motorista cujo nome não registei e á muito esqueci ia explicando a zona. Esta é a avenida á beira mar, seguindo por aqui abaixo vai dar á praia, Motel e ao Autódromo. Aqui para cima é muito interessante, até há ali uma rua que tem umas meninas onde a tropa gosta de ir e joga á porrada por causa delas! Como se chama a rua, perguntei ? É conhecida pela rua do crime mas o verdadeiro nome é Major Araújo, respondeu!
Achei muita piada á forma como respondeu, não por ser evasiva mas sim por ter metido o dedo indicador em cima do nariz e em tom baixinho como se de segredo se tratasse.
Vou-me embora amigo, se calhar já me roubaram o Machibombo?!! Adeus e obrigado por este bocadinho.
Deambulando de um lado para o outro passara-se o tempo, eram horas de jantar. Não era difícil arranjar onde comer pois cervejarias, marisqueiras. restaurantes de comida Africana abundavam de tal forma que uns quarteirões bem perto descobri onde comer uma galinha á Cafrial bem pincelada de gindundo e regada de cerveja.
Enquanto jantava entraram vários militares cujas fardas estavam já bem sovadas. A experiência dizia-me a razão deste facto.
As companhias por norma iniciavam a sua comissão no Norte onde a guerra estava no seu auge. Vinham para o sul nos últimos meses como prémio ou talvez aliviar o stress para o regresso á Metrópole.
Este grupo não precisou da meia noite para fazer a festa. Terminaram o jantar mas não arredaram pé, continuaram a beber, entoavam gritos de guerra, cantavam numa euforia transvasada mas sem ofender os demais clientes.
Findo o jantar regressei novamente á avenida da Marginal, cerca das vinte e duas horas. Não havia muita gente na rua, nos bares e esplanadas sim alguma, no entanto a língua predominante dos que deambulavam era Inglês ou se quiserem Africanse.
Sul-Africanos sobretudo mas não faltavam Rodesianos e aqui e ali pequenos grupos oriundos de outros países Africanos. Eu próprio tive que por á prova o meu fraco inglês com uma família de Lilongwe, capital do Malawi que deu bem para entender que vinham juntar o útil ao agradável. Festejar o ano Novo, conhecer a capital de Moçambique e desfrutar das belas praias existentes na zona. Realço a frase daquele que me parecia ser o patriarca dessa família,”Linda Cidade aqui construíram os Portugueses” “Não creio que fosse para ma agradar!

Estava quase em frente a um cinema, não me recordo do nome. Aproximei – me e dei uma espreitadela pelos cartazes expostos, confesso, não me atraíram e como tal o cinema não era alternativa para uma noite destas.

Um pouco fatigado sinceramente apetecia sentar-me e beber um copo! Olhei para a minha volta e reparei que estava junto ao Café Djambu. Entrei e sentei-me logo numa das primeiras mesas. Bem uniformizado veio o empregado, pedi uma cerveja que bem rápido foi servida acompanhada de um pratinho de castanha de caju com picante.
Mais fresco e aliviado peguei numa revista que estava na mesa vazia do lado. Ao fundo da sala um grupo de jovens, rapazes e raparigas num diálogo por certo bem interessante pois de quando em vez todos riam com uma vontade de incrível.
Algumas pessoas olhavam o relógio e começaram a sair do café. A aproximação á meia noite levava-os para junta da família certamente. O grupo mantinha-se e das risadas passaram a algumas cantorias num misto afro -europeu.

O empregado de bandeja na mão veio há minha mesa e fiquei com a ideia que pretendia o pagamento. Antes de ele pedir já eu tinha o dinheiro na mão. Perguntei, quanto devo se faz favor ?
Não é isso senhor, aquelas meninas……,não compreendo? O empregado afastou-se, olhando para o grupo. Momentos depois passou pela dita mesa , retirou algumas garrafas e chávenas que colocou em cima do balcão e veio novamente ter comigo sendo desta vez um pouco mais objectivo.
Senhor, aquelas meninas mandam perguntar se está sozinho? Sim, porquê? Convidam - no para se juntar a eles e tomar uma bebida que hoje não é dia de estar sozinho!
Inicialmente fiquei um pouco apreensivo mas não hesitei e fui ter com o grupo. Dei as boas horas, apresentei – me, cumprimentei no plural e fui sentar-me na cadeira que um deles retirou da mesa do lado.
Não demorou muito tempo a sentir-me perfeitamente descontraído. Deixei que tomassem a iniciativa das perguntas e realmente não foram parcos a fazê-las. Fui respondendo com algum cuidado pois sabia de antemão que histórias de militares como a minha já todos conheciam sobejamente. Gente simpática! Pediram inclusive para os tratar por tu, no fundo não havia diferenças de idade a assinalar e se as houvesse era a mesma coisa dizia uma das moças.
Facilmente compreendi o porquê de tamanhas risadas! Contavam histórias sobre um personagem criado em volta de uma “Alicínha”, muito parecidas com as que aqui se contam do menino Carlinhos, no feminino, claro.
Olharam para o relógio, pediram a conta, as garrafas de Champanhe guardadas no frio do Bar uns copos de plástico e aí vai todo o pessoal para a rua. Ao longe ouviu-se uma Cirene e iniciam-se os festejos, foguetes, bombas de carnaval, enfim uma barulheira infernal que em poucos minutos se transformou num mar de gente na baixa da cidade.
Fomos para os carros. Fiquei de boca aberta pelo que acabava de ver! Todos os carros tinham atados na traseira uma molhada de latos de toda a espécie inclusive alguns de grandes dimensões cuja intenção era fazer o mais barulho possível. Uma cena nova, curiosa e que realmente fazia mesmo barulho mesmo a pouca velocidade.
Uma boa parte da cidade foi durante a noite percorrida. Aqui e ali uma pausa para mais uma bebida que por acaso já não fazia falta nenhuma.
Depois do cansaço a Praia. O sol nascera sem dar conta, tombados na areia, dormia – se.!!

Obrigado amigos e amigas Moçambicanos!!!


Isaías Cordeiro

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